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EU NÃO CHORO



Há muito tempo, um amigo disse que dificilmente chorava e outra amiga compartilhou a mesma dificuldade e que, de vez em quando, procurava ver filmes bem dramáticos para chorar tudo o que estava guardado. E riram. Levei esta conversa para casa, algo me incomodava naquilo tudo e me pus a refletir: eu choro? Choro pelo que? Quando choro? Já tive muita dificuldade em chorar, por vergonha, por me sentir fraco, como se chorar fosse sinal de fraqueza. Na verdade, achava incrível quem chorava, sem medo de ser feliz, sem medo de expor seus sentimentos, isso para mim era ser forte, verdadeiro, maduro. Mas era forte no outro, não em mim. Talvez porque o meu choro fosse mesmo de fraqueza. Talvez porque eu chorasse pelos meus fracassos, minhas frustrações, meus erros, minhas perdas, minhas vitimizações. O que é óbvio. Este são os momentos de chorar. Mas, eu já me sentia pequeno e não queria que os outros vissem também, como se fosse possível esconder do outro o que você sente, a sua energia, o seu choro guardado. Na verdade, até chorar de felicidade era difícil. Em muitos trabalhos que fiz no Tantra, meditações e inclusive nas massagens, vinham raiva, alegria, risos, gritos, mas choro, o choro travava. Nem sei se eu permitia que ele viesse. Era uma luta contra ele. Me dava dor de cabeça, ânsia de vômito, mas nada de choro. Talvez uma lágrima, e quando ela acontecia, eu comemorava: "to chorando!", o que imediatamente cessava o meu chorar, e eu voltava duro como pedra. Mas um dia, fora de exercícios, estava na vida e, diante de algo cotidiano, fui surpreendido por um choro desesperado, era um misto de choro e riso, intenso, não dava para parar, sequer fazia sentido, mal dava para ter consciência do que estava acontecendo. O choro me pegou, de uma maneira terrível e linda ao mesmo tempo, terrível, pois sentia um aperto, um vibrar que não conhecia, e lindo, por me sentir vivo, quente, os olhos inchados, o rosto enrubescendo. Num momento, percebi as pessoas ao meu redor e elas me olhavam com cara de assustadas, outras admiravam a beleza da expressão da emoção. Depois disso, veio o riso, ri muito, um riso tão desesperador e libertador quanto o choro. Parece que tudo ao redor estava mais colorido. Tinha vontade de chamar todo mundo para dançar. E dancei, sozinho, em mim. A dor e o prazer são dois lados de uma mesma energia. Se a gente se fecha para a dor, também nos fechamos para os prazeres da vida. Se eu evito e desvio de tudo que é passível de sofrimento, ao mesmo tempo, deixo de viver qualquer prazer que aquilo poderia me proporcionar. Assim como, se em situações desagradáveis não me permito chorar, não me permito doer, também será difícil curtir e sentir prazer em momentos agradáveis. Ficamos mornos a tudo. Perceba, tem gente que chora apenas diante de uma tragédia muito forte, uma perda irreparável. Assim como só fica feliz com algo igualmente extremo. E os eventos cotidianos? Esses passam desapercebidos, estamos imunes a sofrer por um sorvete que cai no chão ou a vibrar de alegria por um sorvete que cai na boca. O cotidiano ficou normal, automático, sem graça, nem bom, nem ruim. Quando a gente se esforça para não sofrer pelos acontecimentos diários, provavelmente terá de fazer o mesmo esforço para curtir o que o dia apresenta. É praticamente um esforço ver beleza no nascer do sol, numa flor, nos pequenos gestos, nos presentes mais singelos. Assistir ao pôr do sol te vibra na mesma intensidade que ganhar uma promoção no trabalho? Que ganhar um milhão de reais? Que receber aquele reconhecimento tão aguardado? Qual o real valor do cotidiano? Do pão quentinho, do "bom dia", dos perfumes das pessoas, do som da rua, do "obrigado"? E a promoção ou o reconhecimento, realmente te vibram na intensidade que você esperava? Dá tempo de ficar feliz ou passa rápido, pois imediatamente coloca algo igualmente negativo junto, para não se abalar de felicidade? "Olha os problemas que virão com o novo cargo!". "Não senti verdade neste reconhecimento, fizeram por fazer". A dor é algo a ser sentido, acolhido. Na verdade, muitas das vezes já estamos sofrendo, já está doendo. Doendo a ponto de não aguentarmos nenhuma dose a mais. E, se estamos carregados de dor, é com esse olhar que vemos o mundo, na defensiva, preparados para nada nos fazer sofrer, acreditando que todos querem nos magoar, que tudo está fora do lugar e vai dar tudo errado se não estivermos no controle e cuidar para dar tudo certo. Procure perceber o que há dentro de você. Não é fácil, dá medo, é novo. É algo de tirar o controle, não é planejável. Apenas permita-se, esteja aberto a sentir. Em algum momento não esperado, você será tomado pelas suas reais emoções. Você vai chorar com mais facilidade, mas, ao mesmo tempo, o riso, a alegria, a compaixão, o perdão, todos eles farão parte da sua vida. Não haverá mais receio de sofrer, chorar será conhecido e não te dará mais medo, você conhecerá a força e a cura que há nas lágrimas. Bruno Vicente

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