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60 Dias de Isolamento



Diário de uma Quarentena.

60 Dias de isolamento.

No início, foi voluntário! Mas, rapidamente, se tornou medida obrigatória. Aliás, a única medida possível. O mínimo, que privilegiados como eu, que podem luxar e tocar suas vidas de dentro de suas casas, deveriam fazer em prol daqueles que sem possibilidades, sem escolha, precisam estar no fronte.

60 dias de informações desencontradas, incertezas, medo. A vida se mostra sem controle. Até parece uma novidade, mas na verdade é apenas a constatação de como ela sempre foi. Nunca detivemos o controle, apenas achávamos que detínhamos. A constatação que o momento atual evidenciou não é nova, ao contrário, ele apenas a descortinou, jogou-a nua e crua diante dos nossos olhos. O novo talvez seja olhar pro sol sem peneira. E quer saber? Dói!

Sigo observando, daqui de dentro, o lá fora oscilando entre o descaso e a histeria.


Em meio a buzinaços e carreatas, que clamam o retorno do “normal”, temos o bonde da gripezinha gritando a plenos pulmões que outras doenças matam mais, e que é necessário enfrentar e criar logo imunidade, pois, no fundo, morrerão mais CNPJs que CPFs.

Há também os que bradam por resguardo total até o próximo ano, protegidos e isolados até a criação da vacina que então extirpará o vírus de vez, e que junto com ele mandará pra longe a sua condição humana de mortais.

Não posso deixar de fora o cordão do propósito. Tudo tem um motivo, nada acontece por acaso, esse momento veio para ensinar, punir, conscientizar de uma vez por todas a humanidade da sua pequenez.

Escutei de tudo nesses 60 dias: - Não acredito em nada disso, é tudo questão política. - É nivelamento da desigualdade, pois, afinal de contas, o vírus não distingue ninguém, contamina a todos sem olhar a quem. - É castigo divino, com arrependimento e redenção, através da empatia, do pensar e agir coletivo. - É seleção natural. - É a natureza cobrando uma dívida antiga. - É a existência dizendo que assim não dá pra continuar, ou a humanidade muda ou desaparece. - É bode expiatório para tirar o foco do que importa. - É possibilidade de união, ele veio para nos catalisar, pra mostrar que precisamos ajudarmos uns aos outros, que sem união o mundo não vai longe.

Enfim, é achismo que não acaba mais, tem pra todos os gostos e desgostos também.

Lives invadiram nossas vidas, todos temos algo a dizer, nossas opiniões mega relevantes merecem ser propagadas. No momento, todo mundo grita e, paradoxalmente, ninguém escuta ninguém, nem a si mesmo, não nos enxergamos. O entorno se tornou a nossa casa, as frágeis paredes que limitam a nossa bolha. Tudo é medido por mim, pela minha régua, não há o outro, há a minha realidade e essa se tornou a realidade de todos. É a massificação da emoção, da necessidade, da vontade. Todos "temos que" alguma coisa. Via de regra, igual ao de todo mundo. Afinal, é assim que funciona e se você não fizer esse igual, estará perdendo a oportunidade. Vai, faz, se não, sairão na sua frente!

Tudo parece acontecer bem na ponta do nosso nariz, é tão perto que não enxergamos. Até percebemos algo, mas há uma letargia, um anestesiamento.

Reinvenção é a palavra do momento, seguida de home office, transformação, criatividade, produtividade, digital, possibilidades. Palavras que, de tão repedidas, banalizaram o conceito e perderam seu sentido essencial. Me questiono se, de fato, alguém nesse momento consegue SER tudo isso, ou mais vale PARECER? Não sei, fica o questionamento!

Afinal, agora parece ser a hora de fazer tudo aquilo que nunca fizemos na vida (ou fazer de conta) e se tornar aquela pessoal incrível que nunca fomos. Está tudo ao alcance das suas mãos, o poder está com você, eu escuto. Agora é a hora de separar os homens dos meninos, quem se adaptar o mais rápido possível, alcançará o futuro, e claro, será o mais forte e poderoso. Será mesmo?

E, se for assim, será que é o vírus que tem toda essa força? Será que ficamos mais capazes quando existe uma ameaça silenciosa no mundo colocando a vida da gente em risco? Será instinto de sobrevivência? Sei lá, eu. Pode ser tudo isso, ou nada disso, quem sabe?

Talvez seja diferente para cada um de nós... A única coisa que sei é que, em meio ao turbilhão de estímulos e demandas, olho pra mim, tento enxergar minhas vontades, necessidades, capacidades, limites... Meus motivos! Por que mesmo estou fazendo o que estou fazendo? O que eu quero quando eu quero o que quero? Qual é mesmo a minha motivação? Por que tenho acordado todos os dias, levantado da cama e produzido?

Tento não estar no automático e me perguntar todo dia: quem eu sou na fila do pão? Pergunta difícil!

Pasmo, porque nem sempre sei quem sou, aliás quase nunca sei. Sei quem eu quero ser, qual casca quero expor e, às vezes, me confundo, me identifico demais com a personagem do momento, me levo a sério demais, me acho importante e também começo emitir opinião sem ninguém perguntar, pelo simples fato de achá-las importantes.


Ah! Gosto tanto de me ouvir, concordo tanto comigo, é tão confortável, agradável, prazeroso... Me ouviria até a eternidade!

Quando me dou conta, sou mais uma fazendo lives, pensado em projetos, criando produtos, consumindo, assistindo série, fazendo curso online, tocando a vidinha aqui de dentro da minha bolha protegida. Não sou a mais privilegiada dos seres, não mesmo, ralo à beça, mas estou longe da situação real de vulnerabilidade de muitos. Sigo aqui, nestes 60 dias, fazendo o que considero meu melhor, tento pensar e agir de maneira relevante, não tenho espaço pra tédio, aliás, às vezes, muitas vezes, me sinto sufocada pela quantidade de coisas que me imponho a fazer, e aí, volto ao início de tudo e me questiono, será que é por aí?


Duvido de tudo, de mim principalmente. Quero me desidentificar da personagem que criei pro mundo, quero me achar dentro de mim, mas acho que preciso me perder primeiro...


Paula Maria

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