Ensinamentos do Mandiopan
Gosto de manualidades, não tenho nenhum talento especial, ao contrário, sou desajeitada, pouco delicada, um tanto desatenta, nada pragmática e mudo de ideia no meio do caminho. Mas gosto muito de mexer com coisas, qualquer coisa, fuçar, criar, idealizar, imaginar, projetar, processar, não me importo muito com o resultado, não é ele quem me desafia, eu quero mesmo é tentar. Tento muitas coisas. Tudo que fiz, até hoje na vida, foi fruto de uma despretensiosa tentativa...
A brincadeira pra mim tá no caminhar, exatamente na tentativa. O que me fascina é a trajetória, ficar ali, imersa. Viajo no fazer, vou pra lugares dentro e fora de mim, visito memórias antigas, novas ideias surgem, transito sem pedágio entre o ontem e o amanhã, e não saiu do agora. Me deixo envolver pelos pensamentos, sou tomada por eles, naquele momento não há mais eu, só eles...
Na última primavera, decidi produzir meu próprio mandiopan. É uma receita simples de ingredientes, mas trabalhosa, longa e demorada, com processos que levavam dias, ou seja, uma viagem irresistível, um convite irrecusável para o meu aventureiro tentar...
Lá fui eu, embarquei de mala e cuia na aventura do mandiopan.
Era um sábado, comecei lendo a receita e descobri que era necessário caldo de legumes. Fui pra geladeira e pra minha surpresa meu pote de caldo estava quase vazio, não tinha o suficiente. Abro a gaveta de legumes, e ela sim estava, pois ontem tinha sido dia de feira...
Muitos legumes e 3 horas depois o caldo estava pronto. Eu podia então dar início à empreitada... Eu sentia o gosto no salgadinho na boca, a textura nos dentes, total memória infantil de quem cresceu nos anos 80, não via a hora de encher a mão e enviar tudo na bocaaaa...
Misturo o fubá ao caldo, mexo bem, esquenta, dói o braço, cansa...
Peço ajuda! O angu fica pronto, jogo na bancada misturo o polvilho. O angu tá quente, queimo a mão incorporando o polvilho ao angu, espero esfriar um pouco, mas não muito, senão a massa não fica homogênea; enfim, consigo, tudo misturado. Divido a massa em rolinhos.
Cozinho os 10 rolinhos em água fervente, tipo nhoque até subir, escorro, levo à geladeira por 24 horas. No dia seguinte, tiro os rolos da geladeira e começo a cortar as rodelinhas... Tenho dificuldade pra cortar. Percebo que falta tempo de geladeira. Coloco de volta e deixo mais 24 horas.
Passadas as 24 horas, retiro. Agora sim, agora vai. Corto o primeiro rolo, noto que preciso mudar de faca, e que preciso de ajuda, é muita coisa, se continuar sozinha vou demorar demais, machucar a mão e cortar rodelas grossas demais. Chamo o Bruno, paciência, atenção, bom papo e 1 hora depois centenas de rodelinhas fatiadas, espalhadas pela casa toda para secar. Era um tal de perseguir o sol, fiquei 4 dias andando pela casa com bandeja em punho caçando o sol...
Uma semana depois, finalmente, minhas moedinhas estavam secas. Agora sim, posso fritá-las... Corro toda feliz pra cozinha, pego a panela de fritura, ligo o fogo, olho em volta procurando o óleo... cadê o óleo? Não tem óleo. Era noite e o mercado já estava fechado, operação fritura abortada, não seria naquela noite ainda que eu encheria a mão de mandiopan e enfiaria tudo na boca de uma só vez...
Domingo cedo acordo, tomo café, rumo ao mercado, pego o óleo, chego em casa, frito meu tão esperado mandiopan, sento no sofá, encho a mão com gosto, enfio tudo na boca de uma só vez... crock, crock, crock... retroajo aos 5 anos de idade, lembro do cheiro da cozinha da minha mãe, posso vê-la na frente no fogão fritando mandiopan pra fechar a noite com chave de ouro...
Foi o melhor mandiopan da minha vida? FOIIIIIII!
Não porque foi o melhor sabor, a melhor textura ou a melhor fritura, tudo isso tem melhor por aí.
Foi o melhor porque resgatou uma lembrança há muito esquecida...
Foi o melhor porque olhei pra mim e percebi que não dou conta de tudo sozinha, que preciso de ajuda, mesmo para as coisas simples da vida...
Foi o melhor porque pude fazê-lo em parceria com o meu maior e melhor parceiro da vida...
Foi o melhor porque eu exercitei a paciência, habilidade tão necessária nos tempos que estamos vivendo...
Foi o melhor porque ficou evidente que planejar minimamente é necessário para chegar aonde se quer...
Foi o melhor porque pude perceber de forma ainda mais clara, a necessidade de respeitar o tempo das coisas. Não adianta pular ou acelerar etapas, o tempo é o da coisa não o meu, não é a coisa que tem de ser mais rápida, sou eu que tenho de aprender a lidar com a minha ansiedade...
Foi o melhor porque foi o meu, feito por mim, com toda minha atenção, foco, carinho, e a mais genuína vontade de acertar...
Foi o melhor porque eu não parei nos erros cometidos, segui em frente, cheguei ao final...
Foi o melhor porque apesar de não ser o mais gostoso, eu não me agarrei na frustração do resultado imperfeito, mas lidei com as minhas expectativas e me deliciei com o que deu certo...
Foi o melhor porque eu sei que o meu melhor pode ficar cada vez melhor…
Paula Maria
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