Fechando o Verão
“Não pode...
Não sabe...
Não consegue...
Não controla...
Não é capaz...
Não vai...
Não fica bem...
Não. Não. E não…”
Escuta ela, ecoando por todos os lados, todos os dias, a todo tempo, durante toda a vida oprimida, impregnada, inundada até a alma.
Plantadas as sementes da culpa, germinada a dúvida, forjando a todo vapor a crença de que é menos, que é frágil, que é pouco... Emotiva demais, nervosa demais, desequilibrada demais, louca demais.
A ideia de que há lugar certo pra ela, cor certa, atitude e modos certos, profissão certa, e que pra estar o mais certa possível, imprescindível se faz estar acompanhada: um forte, um norte, um salvador... um homem!
Segue ela à risca uma cartilha cor de rosa que não deve ser questionada, modificada ou atualizada. Tudo e qualquer coisa fora do sagrado tratado, está fadado à desgraça do erro, é inadequado, portanto, deve ser afastado, expurgado...
É como equilibrar-se na corda bamba entre a etiqueta que te dão, o que você sabe ser e o que você aprendeu acreditar que deveria ser - ou, pelo menos, parecer ser. Há uma dicotomia maluca de vontades, desejos, ações e reações, e o resultado dessa equação matematicamente impossível de resolver: a culpa... Uma constante companheira de jornada, escudeira fiel que está ali o tempo todo. Nas horas ruins, apontando o dedo e dizendo “eu avisei”, nas horas boas, minando a alegria e questionando: “Será mesmo que você mereceu? Será que você não devia estar cuidando de alguém, cumprindo seu papel primordial, o maternal?”
É um constante caminhar no solo estéril da intolerância, comparação, incompreensão, dúvida, inadequação, incapacidade e disputas gratuitas com suas iguais, que não levam a lugar algum...
É uma sensação vazia de incompreender e de ser incompreendida... Às vezes, parece presa à interpretação de texto de impossível compreensão; outras, parece livre correndo dentro de uma redoma. É uma sensação estranha, uma mistura fina entre a liberdade do correr e a prisão da redoma...
Afoga-se de tanto respirar... É uma dor inerente, originária, não se sabe de onde vem, mas parece já estar ali antes dela mesma. Uma dor, uma culpa, uma inadequação veterana a ela... A culpa formou, contribuiu para sua existência, a antecedeu, fora forjada pela dor e pela culpa... Criadora e criatura, origem e destino… Uma dentro da outra, se acomodam, se completam, a culpa preenche os seus vazios mais profundos...
Em algum lugar, ela sabe, sempre soube, que tudo não passa de uma construção, uma fabricação, uma grande fantasia sem sentido, que é algo que fora ensinado a ela e às outras, e que resquícios serão passados adiante, por mais que se esforce em destruir os resíduos, apesar de saber que não é real, carrega consigo a famigerada...
Eles a venderam a ela. Ela comprou. Pagou caro, a recebeu de braços abertos e afeiçoou, e agora está apegada demais para deixá-la ir...
Paula Maria
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